O metotrexato (MTX) é um antimetabólito estruturalmente análogo ao ácido fólico que interfere na síntese de DNA, reparo e replicação celulares. Células ativamente proliferativas são mais sensíveis à sua ação e sua toxicidade e efeitos adversos graves podem ocorrer em cerca de 11% a 17% dos pacientes tratados. São observadas úlceras orais graves, proctite que muitas vezes não respondem ao tratamento convencional como a suplementação com ácido fólico e LLLT (Terapia com Laser de Baixa Intensidade).
A Oxigenoterapia Hiperbárica (OHB) consiste na inalação de oxigênio puro (100%) em um ambiente com pressão 2 a 3 vezes maior do que a pressão atmosférica ao nível do mar, o que aumenta a diluição do oxigênio no sangue e possibilita seu maior aporte em nível celular. Busca promover a regulação do processo inflamatório, substrato para ação dos fibroblastos e, consequentemente, a cicatrização de feridas.
Neste relato de caso, a paciente após uso de metotrexato para controle de uma placenta acreta apresentou úlceras orais, proctite e lesões na pele sem reposta ao tratamento habitual, e buscou-se descrever o tratamento utilizando a OHB como protocolo de tratamento e desfechos esperados. Constatou-se melhora total das lesões, sintomas e exames laboratoriais e nenhum evento adverso advindo do uso da OHB. Estes fatos estimulam novos horizontes e novas pesquisas a fim de agregar outras indicações clínicas às já consagradas pela literatura.
Introdução
O metotrexato (MTX) é um antimetabólito estruturalmente análogo ao ácido fólico que inibe de maneira competitiva a atividade da enzima diidrofolato-redutase (DHFR), causando a diminuição de elementos necessários para síntese do ácido desoxirribonucleico (DNA) e ácido ribonucleico (RNA). Portanto, o MTX interfere com a síntese de DNA, reparo e replicação celulares. Os tecidos ativamente proliferativos como células malignas, medula óssea, células fetais entre outros são geralmente mais sensíveis às ações farmacológicas do MTX. Ele é utilizado em altas doses no tratamento de neoplasias e em baixas doses no tratamento de doenças inflamatórias, com o objetivo de modular e suprimir a inflamação em casos de artrite reumatoide, psoríase ou como parte da quimioterapia para câncer.
A toxicidade do MTX é frequentemente observada em pacientes que possuem sua depuração reduzida e aumento da acumulação devido a insuficiência renal. No sangue, o medicamento é conjugado com albumina e excretado pelos rins. Efeitos adversos estão associados ao seu uso concomitante com medicamentos que diminuem a sua eliminação renal, medicações que inibem a síntese de ácido fólico ou diminuem a ligação do MTX às proteínas. As reações adversas relatadas com mais frequência incluem estomatite ulcerativa, leucopenia, náuseas e desconforto abdominal.
Outros efeitos adversos relatados com frequência são indisposição, fadiga, calafrios e febre, tonturas e resistência reduzida à infecção. Os primeiros sintomas apresentados pelos pacientes geralmente são as ulcerações da mucosa oral.
Ulcerações orais graves podem ocorrer em 11% a 17% dos pacientes tratados com MTX em doses baixas e geralmente não são identificadas pelos profissionais de saúde como efeito colateral da medicação. São dolorosas, sem origem traumática e geralmente não respondem adequadamente a tratamentos convencionais com corticosteroides, sendo necessário a modulação da dose ou mesmo a interrupção e a troca de medicamento. O tratamento da toxicidade aguda de metotrexato inclui diversas medidas como a suplementação com ácido fólico, que melhora a tolerância gastrointestinal e evita a toxicidade hematológica. Também são utilizadas medidas tópicas para estimular a cicatrização de feridas como LLLT (Tratamento com Laser de Baixa Intensidade).
Este relato de caso tem como objetivo descrever o tratamento a reações adversas graves devido ao uso de metotrexato que não responderam ao tratamento convencional, utilizando a Oxigenoterapia Hiperbárica como recurso terapêutico.
Descrição
A paciente na primeira gestação apresentou placenta acreta (adesão de forma anormal na parede uterina), sendo necessária secção parcial uterina. Na gestação atual, foi confirmado novamente o diagnóstico de placenta acreta em exame de Ressonância Magnética. A fim de evitar nova ressecção e preservar a fertilidade, na cesárea, optou-se por tolerar restos placentários que posteriormente seriam regredidos com uso de metotrexato. Desta forma, a paciente fez uso de Metotrexato (1mg/kg) e ácido folínico (0,1mg/kg) em dias alternados. A médica assistente propôs oito dias de tratamento, porém a paciente cessou o uso por conta própria, devido aos efeitos colaterais graves descritos abaixo. Apresentava úlceras profundas em toda mucosa oral e lábios.
Dificuldade de deglutição, o que impedia a alimentação e a ingestão de líquidos de forma habitual. Apresentava diarreia persistente, com sangue nas fezes, cerca de três a quatro vezes ao dia associada a distensão abdominal. Perda de 10kg em oito dias. Além disso, na região abdominal apresentou lesões bolhosas com cerca de 10cmX 5cm de extensão associadas a hiperemia infra umbilical e acometimento da incisão da cesárea.
O MTX foi suspenso e foi mantido o ácido folínico. Também foi iniciado o uso de antibioticoterapia (ciprofloxacina 500mg de 12 em 12 horas) e prednisona 20mg/dia. Além disso, foi encaminhada para tratamento com laser de baixa intensidade (LLT) para tratamento das feridas orais, sem melhora clínica. Os exames laboratoriais apontavam neutropenia (GB: 1.200) e aumento da Proteína C reativa ultrassensível –PCR-us para 100mg/d (valores normais menores que 4mg/dL). Esta proteína é produzida pelo fígado e sua concentração sanguínea se eleva radicalmente quando há processos inflamatórios ou infecciosos. Foi encaminhada pela médica assistente para o tratamento com o Oxigenoterapia Hiperbárica (OHB), baseado na fisiopatologia e mecanismos de ação da OHB.
Dessa forma, dez dias pós-parto e oito dias após o início do MTX, foi iniciada a primeira sessão após a avalição clínica pela médica responsável pelo tratamento a fim de avaliar indicações, contraindicações e comorbidades.
A paciente foi submetida a uma pressão de 2, 4ATA, por 90 minutos. A fim de ter um critério objetivo de classificação das lesões e do quadro intestinal, buscamos a escala de RTOG (Radiation Therapy Oncology Group), já bem estabelecida. A paciente enquadrava-se em lesão de pele Grau 3, gastrointestinal inferior Grau 3 e intestinal Grau2.
A proposta de tratamento seriam dez sessões em dias consecutivos, sob uma pressão de 2, 4 ATA, por 90 minutos. Os seguintes parâmetros e desfechos seriam avaliados:
1-Melhoria do padrão e frequência da diarreia;
2-Habilidade de ingerir líquidos e de se alimentar;
3-Cicatrização das úlceras orais;
4- Melhora das bolhas abdominais, hiperemia, distensão abdominal e características da cicatriz;
5-Queda e normalização dos valores de PCR;
6-Normalização dos valores de glóbulos brancos.
A primeira sessão foi realizada no mesmo dia da avaliação, com uma velocidade de compressão V1 (cerca de 0,56m/min). A paciente realizou todas as manobras de equalização sem qualquer queixa. Em 1,5 ATA progrediu-se para a velocidade V2 (1,12m/min), que atingiu isobárica a 2,4 ATA, mantendo-se por 90 minutos, sem qualquer queixa. A descompressão também foi realizada em V2. Na terceira sessão, a paciente já chegou com melhora da diarreia (dois episódios ao dia, com consistência pastosa e sem sangue). Houve melhora da distensão abdominal começo de descamação cutânea, o que demonstrava diminuição do edema abdominal e regressão das bolhas. Aceitava melhor a dieta via oral, que passou a ser pastosa. As lesões orais estavam mais superficiais e indolores. Optou-se por já comprimir e descomprimir em velocidade V2. Foi muito bem aceito pela paciente e assim foram feitas as demais sessões. Na quinta sessão houve melhora completa do hábito intestinal, a dieta já era de consistência sólida. O abdômen apresentava descamação e hiperemia leve e flácido.
Na sétima sessão, as lesões orais discretas e abdômen praticamente normal. Na décima sessão, todos os parâmetros clínicos foram normalizados. PCR: 9,2mg/d–muito próximo à normalidade e glóbulos brancos normais de 3.700.
Revisão da literatura
A OHB consiste na inalação de oxigênio puro (100%) em um ambiente com pressão 2 a 3 vezes maior do que a pressão atmosférica ao nível do mar, sendo este o único método terapêutico, conhecido e comprovado capaz de aumentar de forma significativa a quantidade de oxigênio dissolvido no plasma sanguíneo. Este oxigênio livre, ao ser distribuído pela corrente sanguínea e capilares, tem um halo de acesso maior em locais mal perfundidos e com deficiência de oxigênio. A hiperoxigenação tecidual causada pela OHB desencadeia uma série de efeitos benéficos que culminam na normalização dos processos cicatriciais, sendo alguns deles a vasoconstrição/redução do edema, a neovascularização/melhora da perfusão microvascular, a ação antimicrobiana, a proliferação de fibroblastos a atividade osteoblástica e osteoclástica.
Devido a estes efeitos da OHB sobre os tecidos, o método é indicado como tratamento principal ou adjuvante de diversas doenças, agudas ou crônicas, de natureza isquêmica, infecciosa, traumática, inflamatória e refratária aos tratamentos convencionais.
No Brasil, a resolução 1.457/95 do Conselho Federal de Medicina (CFM) regulamenta a OHB como atividade terapêutica e lista as condições clínicas para as quais é reconhecidamente aplicável.
Inicialmente, revisamos na literatura a natureza das lesões por radiação. As lesões agudas são devidas à toxicidade celular direta e essencialmente imediata causada pelo mediado por radicais livres ao DNAe RNA. Muitas células sofrem uma morte mitótica ou reprodutiva, ou seja, danos suficientes para o DNA que evitam uma mitose posterior bem sucedida.Estas células danificadas ou mortas produzem substâncias endógenas chamadas DAMPs (Padrões Moleculares Associados a Dano) que também são produzidas por lesões celulares assépticas (sem infecção) provocadas por queimaduras, toxinas químicas, traumas, entre outras.
Essas moléculas DAMPs são reconhecidas por PRRs (Receptores de Reconhecimento de Padrões), expressas por fagócitos e outros tipos celulares, e ligam-se a eles. Os principais fagócitos que expressam as maiores variedades e quantidades desses receptores são os macrófagos e neutrófilos, os quais detectam células danificadas para posterior eliminação, como também as células dendríticas, que participam na indução da resposta imune adaptativa após a estimulação da inflamação. Já nos casos de doença inflamatória intestinal como a Doença de Crohn ou reto colite ulcerativa sua patogênese ainda não é clara.
O estado de inflamação sustentada pode ser cessado pelos aumentos nos níveis tissulares de oxigenação. Com este raciocínio, pode-se aventar que os eventos adversos graves pelo uso do MTX podem ser explicados pela ativação e ao sequestro de polimorfonuclearese sua consequente amplificação da resposta inflamatória. Estas moléculas de adesão levam à fixação de neutrófilos ao endotélio e à liberação de espécies reativas de oxigênio. Esta sequência de eventos bioquímicos gera radicais livres de oxigênio, que causam ainda mais danos aos tecidos e grave vasoconstricção. A apresentação clínica desses pacientes, são lesões em células altamente proliferativas como pele (lesões bolhosas), mucosas (lesões orais e lesões do trato gastrointestinal) e medula óssea com apresentação de netropenia nos exames laboratoriais.
Discussão
A OHB age promovendo a diminuição de citoxinas inflamatórias e o aumento da atividade antioxidante, suprimindo a inflamação. Dentre os seus benefícios estão a produção em ambiente hiperoxigenado, de cavengers, ou seja, substâncias que neutralizam as espécies reativas de oxigênio como a superóxido desmustase, a catalase, a peroxidase e a gutationa redutase.
Além disso, a OHB age diminuindo a adesão do neutrófilo ao endotélio, melhorando a perfusão aos tecidos hipóxicos e diminui a vasconstricção pela ação do óxido nítrico. Com esta diminuição na cascata inflamatória, os marcadores inflamatórios como PCR tendem a se normalizar. Clinicamente, nestes locais de hipóxia sustentada, com essa mudança no microambiente, as células conseguem voltar a se replicar. Ocorre a cicatrização das feridas e normalização dos glóbulos brancos.
Conclusão
A OHB é comprovadamente eficaz e possui validação para várias indicações médicas. Suas indicações incluem intoxicação por monóxido de carbono, doença descompressiva, enxertos e retalhos de pele comprometidos, lesões por esmagamento, infecções necrosantes de tecidos moles, pé diabético e úlceras não cicatrizantes.
Há protocolos assistenciais bem definidos para o tratamento de lesões actínicas crônicas, como a cistite, proctite e osteonecrose de mandíbula. Lesões agudas envolvendo uso de medicações que inibem a síntese do DNA, assim como no uso para tratamento de eventos adversos graves de outras medicações, possuem poucos relatos na literatura. Há relatos em doenças inflamatórias intestinais (Crohn e retocolite ulcerativa) que apresentam quadro clínico semelhante e respondem bem ao tratamento.
Algumas situações clínicas que envolvem processos inflamatórios graves agudos, como o caso acima, podem se beneficiar com tratamento com Oxigenoterapia Hiperbárica. Este relato de caso, baseado no mecanismo de ação da OHB abre a oportunidade para que novos estudos sejam realizados a fim de comprovar os efeitos da OHB sobre estes tipos de indicação. Para conferir o artigo original em inglês acesse aqui.
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